No aplicativo de vídeos curtos Tiktok, especialmente no nicho do booktok,1 os livros dark romance2 vem ganhando cada vez mais notoriedade, especialmente entre as jovens mulheres. O que se iniciou como uma onda de divulgação de livros românticos foi se tornando cada vez mais problemático à medida que se introduziam narrativas cada vez mais pesadas e cada vez mais nocivas, como ciúmes excessivo, relacionamentos tóxicos, dependencia emocional, traumas, abuso de poder, violência sexual, erotização do perigo e, em casos mais extremos, pedofilia e incesto. Esse fenômeno nos leva a refletir até que ponto o entretenimento se transforma em uma perigosa romantização do abuso.
Para entender essa popularização e suas implicações, é necessário analisar os diversos fatores que contribuem para o crescimento desse gênero: A influência de best-sellers como 50 tons de cinza3, contribuiu significativamente para a ascensão do gênero. A quebra de normas, que permite as leitoras a explorar o comportamento humano sem as amarras da moralidade, acatando a vivência de fantasias que pode se iniciar como curiosidade e terminar como forma de escapismo. Além disso, a atração pela intensidade e adrenalina frequentemente ausente no cotidiano das leitoras aumenta a atratividade do gênero. O dark romance também se caracteriza pela exploração de tabus e relações imorais, permitindo que suas autoras e leitoras explorem enredos que ultrapassam os limites como relacionamentos imorais sem sofrerem e enfrentarem as consequências dessas escolhas na vida real, o que torna a experiência de leitura mais intrigante. A escrita erótica possui um papel crucial no contexto, diferenciando-se da escrita erótica tradicional ao explorar dinâmicas sombrias, muitas vezes de forma não consensual e perturbadora, chamando a atenção até mesmo de algumas leitoras mais velhas faz o gênero se destacar em meio a outros tipos de literatura.
A escrita erótica do dark romance é uma de suas questões mais problemáticas. O uso dessa escrita traz erotização de forma perigosa para a vivência dos leitores. A prosa usa a sensualização de momentos de sofrimento, violência e traumas, criando cenários de emoções conflituosas e moralmente questionáveis. A erotização do perigo também é muito comum no gênero, em histórias onde ocorrem cenas sexuais em circunstâncias ameaçadoras, assim como personagens que vem em forma de anti-heróis, criminosos e homens violentos. Por fim, o tabu e o estigma que muitas dessas histórias carregam levam a romantização de práticas condenadas pela sociedade e até mesmo crimes como a pedofilia e o incesto. “Resenhas” de livros como The Wild4 e Sick Fux5 geram discussões acaloradas no Tiktok em “rodas de recomendações” sobre qual narrativa é mais quente.6
É quase impossível sair dessa realidade sem consequências. Ao abrir a barra de comentários é comum ver relatos de leitoras que confessam não sentir prazer de forma saudável com seu parceiro, ou que se vêem entediadas e frustradas com o seu relacionamento ao introduzirem essa literatura no seu dia a dia. Outras relatam não saberem mais definir seus limites dentro da relação
Em última análise, o fenômeno do dark romance não deve ser reduzido a uma simples tendência literária, mas sim analisado dentro de um contexto maior de como as narrativas e o entretenimento influenciam a percepção de nós mesmos e dos outros. Ao expor jovens leitoras a uma erotização de comportamentos abusivos e a normalização de práticas nocivas, o gênero pode oferecer uma ilusão de intensidade e escapismo, mas também coloca em risco a visão de relações saudáveis e consentidas. Embora a literatura tenha o poder de provocar reflexão, é importante que as leitoras se questionem sobre os limites da fantasia e da realidade, e sobre como essas histórias moldam suas experiências, expectativas e até mesmo suas relações no mundo real. A verdadeira questão não é apenas o prazer proporcionado por essas narrativas, mas até que ponto essa busca por intensidade está construindo uma visão distorcida e perigosamente romântica de comportamentos abusivos.
Nicho popular do Tiktok focado em divulgação de livros.
Subgênero da ficção romântica que aborda relacionamentos intensos e problemáticos, frequentemente envolvendo dinâmicas de abuso, violência, manipulação e consentimento ambíguo. As histórias geralmente exploram temas como poder, trauma emocional e comportamentos tóxicos.
Livro de E.L. James (2011)
Livro de K. Webster (2017)
Livro de Tillie Cole (2017)
O primeiro livro citado se trata de um romance entre pai e filha. O segundo, sobre pedofilia e vingança. (Este chegou até mesmo a ser banido da Amazon, plataforma onde era comercializado)